sábado, 24 de abril de 2010

O que é uma bruxa?


Segundo o Martelo das Feiticeiras e outros manuais da época, bruxa (ou bruxo) era alguém que praticava magia para fins malignos, com a ajuda do demônio. O conceito de bruxaria surgiu na Idade Média, mas outras formas de magia eram praticadas desde a Antiguidade – e nem sempre eram vistas como algo mau. No mundo greco-romano, a palavra mageia designava uma espécie de religião não oficial baseada no culto de deuses ligados à noite e à escuridão. Segundo a crença da época, divindades como Plutão, deus dos mortos, e Hécate, deusa das encruzilhadas e da lua nova, podiam tanto causar doenças quanto curá-las. “As leis romanas condenavam a magia com fins maléficos, pois a enfermidade e a morte freqüentemente eram atribuídas a causas mágicas. Mas a magia com fins benéficos na Grécia e em Roma era considerada lícita e mesmo necessária”, diz o historiador Carlos Roberto Figueiredo Nogueira, da USP, em seu livro Bruxaria e História.

A tolerância virou pó no início da Idade Média. Com a Europa convertida ao cristianismo, os ritos mágicos caíram no enorme balaio de crenças proibidas. Só esqueceram de combinar com o povão, que durante todo o período medieval continuou invocando espíritos, amaldiçoando inimigos e enfeitiçando amantes à revelia dos padres. Com uma diferença: se nos tempos antigos havia magos e magas na mesma proporção, na Europa cristã a bruxaria era monopólio feminino. Não é difícil entender por quê: enxotadas do comando da Igreja (desde o século 2, o sacerdócio cristão era exclusividade dos homens), as mulheres fizeram das práticas mágicas proibidas sua solitária esfera de poder. Entre as figuras mais respeitadas nas aldeias e nos campos – onde viviam 95% da população européia no século 15 – estavam as curandeiras, chamadas de “mulheres sábias” na Inglaterra, França, Alemanha e outros países. “Eram geralmente viúvas ou solteironas, com enorme conhecimento de ervas medicinais. Embora fossem pessoas miseráveis, tinham grande prestígio. Num mundo quase sem médicos, elas serviam como faz-tudo: parteiras, adivinhas, terapeutas”, diz o historiador Henrique Carneiro, da USP.

Passados de mãe para filha ou de tia para sobrinha, os segredos das curandeiras escapavam à compreensão da ciência. De fato, alguns de seus remedinhos eram pra lá de estranhos. Ovos fervidos em urina, por exemplo, eram usados contra picadas de insetos. Pomadas de sêmen de cavalo serviam para provocar a gravidez. Amuletos para atrair o amor, afastar mau-olhado e detectar venenos usavam como ingredientes ratos assados, pele de cobra e dentes humanos, recolhidos no cemitério mais próximo. Bênçãos e rezas também estavam no repertório. Em meio à bizarrice, nem tudo era chute ou superstição. A “magia” dessas mulheres abarcava conhecimentos que depois seriam cientificamente comprovados.

O que nem as curandeiras nem os cientistas podiam prever eram as desgraças que arrasariam a Europa no século 14. Em 1315, catástrofes climáticas destruíram colheitas em toda a Europa, exterminando 20% da população e originando surtos de canibalismo. Décadas depois veio a peste negra – a gigantesca epidemia que varreu um terço dos habitantes da Europa, cerca de 20 milhões de pessoas. Numa época coalhada de superstições, era preciso culpar alguém pelas calamidades. Sobrou para as curandeiras. “Durante as crises, os pobres do campo passaram a descontar sua frustração pelas colheitas ruins ou pela alta taxa de mortalidade infantil sobre aquelas que tinham menos capacidade de reagir – as solteironas e as viúvas, sem maridos ou filhos para protegê-las”, afirma a historiadora americana Anne Lewellyn Barstow, no livro Chacina de Feiticeiras. A fagulha virou incêndio com a radicalização religiosa da Inquisição, movimento cristão de perseguição aos hereges. A caça às bruxas, até então esporádica, foi oficializada em 1484, quando o papa Inocêncio 8o publicou uma bula transformando em hereges todos aqueles que “realizam encantamentos, sortilégios, conjurações de espíritos e outras abominações do gênero”. A sabedoria popular sem respaldo da Igreja passou a ser coisa do Diabo.


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